Lengua Guarani

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martes, 28 de marzo de 2017

EL GUARANI, ARMA SECRETA PARAGUAYA - GLOBO (BRASIL) - ENTREVISTA A DAVID GALEANO OLIVERA


por Leo Lepri


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O telefone chama e depois de soar três ou quatro vezes, uma voz masculina, grave, responde do outro lado da linha. Após uma breve explicação sobre o motivo daquela ligação, o homem, educado, falando em espanhol perfeito e que no final da oração refere a si mesmo em terceira pessoa, responde de forma amistosa, transmitindo a sensação de estar, ao mesmo tempo, surpreso e entusiasmado pelo motivo do contato: "É um orgulho falar guaraní porque, na minha opinião, este é o nosso primeiro idioma. Depois vem o espanhol, mas primeiro o guaraní. Isso, é claro, na minha opinião. Na opinião do Chilavert."

No Paraguai de José Luis Chilavert, o goleiro-símbolo que liderou uma seleção de campanha corajosa na Copa da França em 1998, o guaraní, um idioma autóctone, é falado por 87% da população local, algo que representa aproximadamente 6.300.000 pessoas. "Os donos originários do guaraní, os nativos, infelizmente estão desaparecendo. Entretanto, o idioma se projetou por todo o Paraguai e se tornou a língua mais falada pela população não indígena", explica David Galeano Oliveira, diretor-geral do Ateneo de Lengua y Cultura Guaraní, uma instituição radicada em Assunção que trabalha na formação de professores e doutores em língua guaraní desde 1985. "Até hoje já formamos quase noventa mil pessoas em conhecimentos básicos do guaraní", diz Galeano sem esconder uma lógica satisfação.

Até por isso, na partida desta noite, não estranhe se perceber que os jogadores da seleção paraguaia não estão se comunicando em espanhol, como você poderia presumir inicialmente. A maior parte dos diálogos dentro de campo são feitos em uma espécie de idioma secreto.

Secreto apenas para os outros, é claro.


O próprio Club Sportivo Luqueño, time que revelou Chilavert, tem como apelido Kure LuqueKure em guaraní significa porco, como é conhecido o clube que fica em uma parte da grande Assunção, onde também está localizada a sede da CONMEBOL. Essa particularidade sobre apelidos ainda vai um pouco além. "Praticamente todos os jogadores paraguaios têm algum apelido em guaraní, e isso também cria confusão no time adversário já que eles não se chamam pelos nomes. Por exemplo, o jogador paraguaio que cobrou o último pênalti na série contra o Japão na Copa da África do Sul, e que permitiu à seleção avançar às quartas de final (melhor participação da Albirroja em um mundial de futebol), foi Oscar Cardozo, mais conhecido por aqui como 'Takuára' Cardozo, em alusão a sua alta estatura e contextura física parecida com esta planta (a 'takuára', ou taquara em português, é a vara do bambu). Graças ao gol do 'Takuára', a palavra de origem guaraní recorreu o mundo inteiro", relembra o professor David Galeano.

Recentemente, durante o Campeonato Sul-Americano Sub-17 realizado no Chile, a seleção emocionou os paraguaios ao cantar o hino do país na versão guaraní. "Sim, foi muito lindo, mas não é para qualquer um. Até mesmo para mim é algo que pode ser um pouco complicado para cantar. Não é tão fácil, mas é muito lindo e muito profundo", reconhece Chilavert.



Néike che retâygua peha'âporâke ha tapenetenonde brasileño-kuérare. Peêniko penembarete, pendekatupyry ha peha'â porâ ha pehupíke yvate yvatete ñane retâ poyvi pytâ, morotî ha hovýva

("Avante, seleção paraguaia! Atuem da melhor forma e vençam a seleção brasileira. Vocês são fortes, são habilidosos e jogam muito bem e assim farão tremular no lugar mais alto a nossa bandeira vermelha, branca e azul") – mensagem escrita pelo professor David Galeano à seleção paraguaia, e que dá uma prova da complexidade do idioma.

Ao contrário do quechua ou do aimara, idiomas que também são de origem indígena e que estão se perdendo ao longo do tempo na poeira do deserto (majoritariamente relegados a pequenos povados no interior de Bolívia e Peru), o guaraní vem ganhando força e se mantém vivo na rotina dos paraguaios. Possui o mérito de não ter ficado restrito apenas aos descendentes da população indígena, sendo praticado também pelos outros extratos sociais do país. O professor Galeano resume a importância dessa variedade; "Atualmente é falado pelos políticos, intelectuais, atletas, trabalhadores rurais, sindicalistas, militares, religiosos, adultos, jovens e crianças. Isso conduz ao reconhecimento e respeito dos direitos humanos e linguísticos de toda essa população que nasce, vive e morre em guaraní, que desenvolve seu pensamento e intelectualidade em guaraní".

Em 1992, o governo paraguaio o reconheceu como idioma oficial ao lado do espanhol (o site oficial inclusive possui um tradutor online), e em 2010 publicou a Ley de Lenguas, garantindo que o guaraní esteja presente nos três poderes do Estado e em todas instituições públicas, sendo preservado como "símbolo de identidade cultural da nação, instrumento de coesão nacional e meio de comunicação da maioria da população paraguaia".

E é neste ponto que voltamos a falar de futebol.

"Eu não falo guaraní, apenas espanhol. Sei que eles (os outros jogadores) me zoam em seu idioma, mas o que eu posso fazer? São as brincadeiras do grupo" revelou um constrangido Lucas Barrios certa vez.

"Eles deveriam aprender, principalmente, as palavras mais importantes e que são utilizadas dentro da cancha. É fundamental para que eles saibam como devem agir especialmente nas situações com jogadas ensaiadas" aconselha Chilavert com uma boa dose de experiência própria como aquela relatada no começo deste texto.

Com presença constante - e cada vez maior - de descendentes naturalizados (além do próprio Barrios, Néstor Ortigoza e Juan Manuel Iturbe apenas para citar alguns) e treinadores argentinos na seleção paraguaia, como fazer para que os estrangeiros aprendam o idioma? Segundo o professor Galeano, há diversas alternativas por aí; "Atualmente existe um visível fortalecimento do guaraní com ferramentas virtuais muito importantes e que levaram o idioma ao mundo da internet. Entre essas ferramentas, o Vikipetâ, que é o Wikipedia em guaraní e o navegador Mozilla Firefox, que foi batizado como Aguaratata, que significa: aguara = raposa e tata = fogo".

Para quem deseja aprender o idioma aqui no Brasil, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) oferece, desde 2011, um curso de extensão cultural gratuito e aberto ao público em geral a cada seis meses (desde que exista um número suficiente de interessados).

"O guaraní não é diferente das outras línguas no tempo de aprendizagem. Para que a pessoa possa se comunicar em situações básicas do dia a dia, uma média de 80 horas de estudo seriam suficiente" explica Almir da Silveira, coordenador do curso, e que afirma ter se apaixado pelo idioma durante uma viagem ao Paraguai; "Pude perceber que, muito mais do que o espanhol, a língua das conversas familiares, dos bate-papos informais era o guaraní, mais vivo e pujante do que nunca. Foi amor à primeira vista".

Chilavert ex-goleiro da seleção ParaguaiaO mesmo amor declarado que cativa Chilavert no trecho final de nossa conversa, antes de cortar o telefonema; "Para mim, é fantástico. O guaraní é tão doce... É a raiz de todos nós, paraguaios."








Muchas gracias al periodista Leonardo Lepri Ferro


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